21 de março de 2017

Por que Jesus teve que morrer?

“Por que Jesus teve que morrer?” Durante séculos, a igreja usou vários conceitos diferentes para responder a essa pergunta, que fundamenta o que chamamos de “expiação”. Mas esses conceitos são problemáticos para as igrejas da paz, pelo menos em parte porque estão respondendo à pergunta errada.

Pode ser surpreendente que a resposta mais conhecida a essa pergunta errada venha de uma forma de governo abandonada há séculos, embora um remanescente ainda influencie nossa sociedade. Essa resposta bem conhecida é que Jesus morreu para pagar uma dívida para com Deus pela humanidade pecadora, isto é, para satisfazer a pena de morte exigida pela lei de Deus. Este conceito é chamado de expiação de “satisfação”.

A primeira versão completa deste conceito apareceu no livro Por que o Deus-Homem, publicado em 1098 por Anselmo, o Arcebispo de Canterbury. A sociedade que Anselmo conhecia era estruturada pelo feudalismo e governada por um senhor feudal. Nesse sistema, quando um subalterno ofendia o senhor, a estabilidade da ordem social dependia da capacidade do governante de punir o ofensor ou exigir satisfação.

Ao visualizar a morte de Jesus como um pagamento de dívida a Deus, é óbvio que Anselmo imaginou Deus no papel de senhor feudal supremo. Anselmo acreditava que o pecado humano havia perturbado a ordem do universo de Deus. Para restaurar a ordem na criação, Deus precisava punir os pecadores ou receber satisfação. Consequentemente, Deus enviou Jesus como o Deus-Homem para que sua morte infinita pudesse suportar o castigo da humanidade e, em nosso nome, fornecer a satisfação que Deus exigia.

Nessa compreensão da expiação, o ato de Deus suscita perguntas difíceis como esta que um menino de 5 anos fez à mãe depois da escola dominical: “Os pais nunca matariam seu filho na cruz, certo?”

Podemos encontrar a melhor pergunta e sua resposta no Novo Testamento. Quando lemos a história de Jesus nos Evangelhos, percebemos que ela não diz nada sobre sua morte satisfazendo uma dívida para com Deus ou pagando uma penalidade exigida pela lei de Deus. Além disso, o conceito de satisfação trata apenas da morte de Jesus. Não menciona sua vida e ignora inteiramente a ressurreição, o verdadeiro clímax da história de Jesus. Por último, apresenta um Deus vingativo, que matou Jesus para satisfazer a própria justiça de Deus. Este é um Deus violento para quem a justiça depende da violência e do castigo.

Essas imagens devem perturbar as pessoas da igreja da paz por várias razões. Deixe-me explicar.

Nos Evangelhos, vemos que a vida de Jesus, suas ações e seus ensinamentos tornaram presente o reino de Deus. Ele curou no sábado para mostrar como estava sendo mal utilizado, desafiou o racismo contra os samaritanos e elevou o status das mulheres. Essas ações desafiaram a legitimidade das autoridades religiosas. Se as pessoas aprendessem com Jesus a se aproximar de Deus diretamente e encontrar perdão, isso ameaçaria a autoridade da liderança religiosa e o sistema de sacrifícios do templo que eles administravam. Eles desenvolveram um plano para matá-lo. Os poderes do mal, representados pela liderança religiosa em Jerusalém e sobretudo pelo Império Romano, o mataram de cruz. Mas depois de três dias, Deus o ressuscitou dos mortos.

Este breve esboço da vida de Jesus apresenta a história como aquela em que os poderes do mal são confrontados pela vida de Jesus e derrotados pela ressurreição. Quando aceitamos Jesus e vivemos em sua história, participamos da salvação que vem com sua ressurreição. Em vez de perguntar apenas por que ele morreu, a verdadeira pergunta sobre Jesus é: “Como a vida, o ensino, a morte e a ressurreição de Jesus salvam?” Ele salva vivendo uma vida que torna presente o reino de Deus, e sua ressurreição nos convida a aceitar Jesus – e assim juntar a vida no reino de Deus, tanto agora como depois de morrermos.

Na linguagem clássica, a imagem da expiação que apresenta a vitória sobre o mal e Satanás por meio da ressurreição é chamada de “Christus Victor”, que significa Cristo, o vencedor. Na igreja primitiva, Christus Victor descreveu um confronto no cosmos entre Deus e Satanás. No entanto, eu gosto de trazer o confronto para a terra. De um lado imagino Jesus, que representa o reino de Deus, e do outro lado Roma e a liderança religiosa, que representam os poderes do mal. Porque minha versão usa a história de Jesus, eu a chamo narrativa Cristo Victor.

Pense na ação de Deus nesta forma de olhar para a expiação. Deus não exige a morte. Pelo contrário, Deus age para restaurar a vida de Jesus. Da perspectiva da ação de Deus, a narrativa Christus Victor é uma imagem de expiação não violenta. Os humanos realizaram o mal que matou Jesus e Deus agiu para restaurar sua vida. Restaurar a vida está em nítido contraste com o papel de Deus na expiação de satisfação, onde Deus precisava de uma morte e enviou Jesus para ser morto pela morte exigida por Deus.

Para deixar claro o papel não violento de Deus, chamo isso de “expiação não violenta”. É um conceito que caracteriza a salvação sem violência por Deus. Com esse entendimento, a ressurreição convida as pessoas a se unirem ao reino de Deus com Jesus como seu Senhor.

O feudalismo desapareceu há muito tempo, mas a imagem expiatória baseada no feudalismo ainda é comum. E a ideia de satisfação está viva e bem sob outro nome no sistema de justiça criminal, em que o Estado substituiu o senhor feudal como aquele que pune ou exige satisfação. Diz-se que os crimes são contra a sociedade ou o Estado, e é o Estado que pune. Em qualquer nível que o julgamento ocorra, do local ao federal, o promotor representa o estado. A ideia de satisfação é claramente visível na expectativa de que aquele que comete um crime deve pagar sua dívida com a sociedade. Diz-se que a justiça é feita quando a punição é aplicada. Essa forma de justiça é chamada de justiça retributiva, na medida em que a punição é a retribuição pelo crime cometido contra o Estado.

Com a justiça retributiva, nada é feito pela vítima do crime. Nada é feito para restaurar um relacionamento quebrado ou para restaurar o dano causado. Mesmo quando uma multa é aplicada, ela vai para o Estado e não para a vítima do crime.

A alternativa à justiça retributiva é a justiça restaurativa, que visa reconciliar vítimas e ofensores. Não persegue a punição de um infrator além da vítima. Em vez disso, a justiça restaurativa se concentra em ambos. Salienta as necessidades da vítima e a reabilitação do ofensor. Tanto quanto possível, o ofensor traz a restauração. A justiça restaurativa não é uma maneira fácil de deixar os ofensores livres. Ele claramente chama os infratores a serem responsáveis ​​por suas ofensas, ao mesmo tempo em que se concentra nas necessidades das vítimas.

A justiça restaurativa ecoa a história de Jesus. Quando ele cura, ele pronuncia o perdão dos pecados sem punição (Lucas 5:19). Ele não pune a mulher pega em adultério, mas diz a ela: “Vai, e de agora em diante não peques mais” (João 8.11). Ele não pune a desonestidade de Zaqueu. Em vez disso, suas boas-vindas levam Zaqueu a pagar quatro vezes a quantia que ele ganhou ilegalmente (Lucas 19.8).

A justiça restaurativa corresponde à expiação não violenta. Os pecadores são reconciliados com Deus quando aceitam o convite oferecido pela ressurreição para participar do reino de Deus. Juntar-se é, na verdade, assumir um novo modo de vida, modelado na vida de Jesus. Não há punição envolvida, mas, como aconteceu com Zaqueu, as pessoas que se juntam ao reino de Deus vão querer restaurar a integridade e desfazer o dano dos erros cometidos.

Há também uma razão prática para apoiar a justiça restaurativa: ela é mais eficaz do que a justiça retributiva. A justiça restaurativa tem sido praticada em todos os níveis, desde círculos de justiça nas escolas até programas sob a jurisdição de um juiz em um tribunal criminal. Vários estudos de pesquisa mostram que há significativamente menos reincidentes quando a justiça restaurativa é aplicada, em vez de apenas buscar punição.

Toda a discussão sobre expiação não-violenta, justiça restaurativa e a imagem de Deus é demonstrada na parábola do filho pródigo. O pai representa Deus, e o filho pródigo representa a humanidade pecadora. Depois de desperdiçar sua herança, o filho decide voltar e se oferecer para trabalhar como assalariado. Isso é arrependimento e assumir uma nova vida. Mas o pai não busca punição. Em vez disso, mesmo antes do retorno do filho pródigo, o pai está esperando de braços abertos. Ele acolhe o filho transformado com um perdão sem punição.

Este Deus não violento espera amorosamente pelo retorno do povo de Deus. Esta é a imagem da expiação não-violenta. Esta é a justiça restaurativa de Deus.

J. Denny Weaver é professor emérito de religião na Bluffton (Ohio) University. Entre seus vários livros estão The Nonviolent Atonement, 2ª edição revisada e ampliada (Eerdmans, 2011); O Deus Não-Violento (Eerdmans, 2013); e uma versão popular Deus sem violência: seguindo um Deus não violento em um mundo violento (Cascade Books, 2016).