Estudo da Bíblia | 22 de junho de 2016

Ainda não é o fim da história

Foto de Scott Wallace, Banco Mundial

No livro de Rute são quatro capítulos de sabedoria, amor e mistério da ação de Deus.

O primeiro capítulo abre com a viúva Noemi, chorando e se despedindo de suas queridas noras que também são viúvas. Noemi está voltando para Belém depois de viver mais de uma década em Moabe. Ela foi devastada pela morte de seu marido e dois filhos.

Suas noras moabitas insistem em ir com Noemi, mas ela insiste com firmeza para que fiquem em Moabe. Um obedece a ela, mas Ruth não vai desistir. Enquanto ela se apega a Noemi, o discurso de Rute é uma daquelas passagens das escrituras que todos conhecem, mas poucos se lembram de sua fonte. “Roga-me que não te deixe, nem que volte atrás de ti”, começa a conhecida versão King James.

A perda dos entes queridos de Naomi é dolorosa o suficiente, mas, para uma mulher naqueles dias e naquela cultura, havia uma tragédia adicional. Toda mulher no mundo antigo tinha que ser ancorada em sua comunidade por meio de um homem: pai, marido, filho, tio, irmão ou primo. Tendo perdido seus homens, Naomi deixou de ser uma pessoa para uma não-pessoa. O que mais poderia acontecer?

O livro de Rute começa onde a maioria das histórias termina. Quando Noemi declara sua intenção de deixar Moabe e retornar à sua cidade natal, Belém, esperamos que ela volte para casa para morrer. O que mais poderia ser?

Acompanhada por Rute, Noemi chega a Belém e o capítulo termina com seu amargo lamento por ter recebido uma vida dura e triste pelas mãos do Senhor.

Dois terços dos Salmos são lamentos, queixas amargas. Parece que Deus não apenas tolera reclamações, mas praticamente as exige. Por mais de três mil anos, o ser humano tentou conciliar a bondade de Deus com a amargura da vida. Decidimos que eles não podem ser reconciliados. Também não pode ser negado.

Apesar do amargo lamento de Noemi, não fechamos o livro no final do capítulo um. Há o capítulo dois, e muito mais. Somos lembrados do ditado: “Tudo ficará bem no final. Se não está tudo bem, então ainda não é o fim.”

No capítulo dois, Rute toma a iniciativa de fornecer comida para sua sogra. Ela sai para colher grãos. Recolher (recolher grãos caídos na época da colheita) era um privilégio concedido aos muito pobres: aqueles que não tinham outra maneira de encontrar comida.

Rute respiga no campo de Boaz. Quando Boaz chega, fica curioso com a nova cara dos catadores. Ele pergunta: “A quem essa jovem pertence?”

A resposta a essa pergunta era complicada. Naquele mundo antigo, uma pessoa não era simplesmente quem era. Mais importante era como eles estavam conectados. Um dos insights da espiritualidade moderna é a maneira como recuperamos, de maneira profunda, esse insight antigo. Vemos Deus agindo nos espaços entre os indivíduos, em nossos relacionamentos. Mesmo a Oração do Senhor não começa com “Meu Pai”, mas com “Pai Nosso”. Dizer “nosso” com integridade exige que exploremos os relacionamentos mais profundamente.

No caso de Rute, foi especialmente complicado porque, como qualquer mulher no antigo mundo israelita, ela precisava se relacionar com algum homem para ser completa. E na falta de pai, marido ou filho, esperava-se que o próximo grupo de parentes do sexo masculino interviesse. O próprio Boaz era desse tipo, mas falhou em agir dessa maneira. Qualquer herdeiro do sexo masculino relacionado deve procurar parentes necessitados e dar-lhes apoio.

No terceiro capítulo, Noemi concebe um plano para praticamente forçar Boaz a agir como qualquer herdeiro masculino relacionado deveria. É verdade que ele tinha sido generoso, gentil e protetor com Ruth enquanto ela trabalhava respigando em seus campos. Mas agora que a colheita acabou, era hora de formalizar seu papel protetor.

Este capítulo é o mais difícil de comentar. É tão delicado que as palavras praticamente estragam a cena. Noemi pede a Rute para ir onde Boaz vai dormir. Ela diz para ela se deitar perto dele e deixar Boaz tomar a iniciativa.

Rute, porém, não dá a iniciativa a Boaz. Assim que ele acorda e reconhece que alguém está lá, Ruth pede – talvez exija – que ele aja como protetor de Naomi e dela. “Estenda seu manto sobre mim, pois você é parente mais próximo.”

Estamos um pouco chocados com a ousadia de Ruth. Como uma pobre viúva imigrante, ela pode estar ultrapassando seus limites. A resposta graciosa de Boaz, no entanto, nos faz sentir que algo mais está acontecendo do que responsabilidade e obrigação. Boaz precisa de Rute para completar sua vida tanto quanto Rute precisa de Boaz para proteção e apoio.

Boaz não agirá precipitadamente, no entanto. Os procedimentos devem ser seguidos. Isso é o que significa pertencer à comunidade.

No último capítulo, Boaz arrisca tudo ao reconhecer outra pessoa que tem direitos e responsabilidades anteriores para Noemi e Rute. Talvez Boaz não possa ter Rute até que esteja disposto a entregá-la em um momento “seja feita a tua vontade”.

A outra parte recua e Boaz assume o papel de marido de Rute e protetor de Noemi. O filho de Boaz e Rute torna-se o bisavô do rei Davi e, portanto, um antepassado de Jesus.

Ao ler o livro de Rute, sentimos que podemos sentar e relaxar com uma doce e simples história de amor. Mas, quando terminado, este pequeno livro nos levou a meditações sobre perda, lamento, pertencimento um ao outro e os misteriosos caminhos de Deus por trás dos eventos da vida. Pensamos nos imigrantes e nas redes de segurança social, mas, talvez acima de tudo, na fé.

Um ministro ordenado, Bob arqueiro é professor emérito de religião na Universidade de Manchester, North Manchester, Indiana.