Estudo da Bíblia | 16 de maio de 2018

Deixado para trás

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Quem gosta de ficar para trás? Todos podemos pensar em exemplos em que fomos deixados para trás. Um professor querido deixa nossa escola. Um pastor se aposenta e se muda para a Flórida. Um pai, filho ou parceiro morre, e somos deixados para trás para sofrer. Em cada caso, nossa tristeza resulta de um sentimento de perda, de abandono. Como é, então, que os discípulos ficam alegres quando Jesus parte, deixando-os para trás?

Luke 24: 50-53

Entre os Evangelhos do Novo Testamento, apenas Lucas narra a ascensão de Jesus ao céu. O Evangelho de Mateus termina com a promessa de Jesus de estar com os discípulos “até o fim dos tempos” (28:20). Marcos 16:19 é provavelmente uma adição posterior ao Evangelho de Marcos, que provavelmente terminou em 16:8. O Quarto Evangelho distingue entre a ressurreição e a ascensão de Jesus (João 20:17), mas carece de um relato da ascensão.

Em Lucas, porém, as boas novas terminam com Jesus se despedindo de seus seguidores. Jesus e os discípulos vão para Betânia, onde ele os abençoa e parte, sendo “elevado ao céu”. Podemos esperar choro, luto, algum ato que expresse tristeza por ter sido deixado para trás. Em vez disso, Lucas relata que os discípulos voltaram a Jerusalém “com grande alegria”. E “estavam continuamente no templo bendizendo a Deus” (24:53).

Felizmente, o autor do Evangelho de Lucas deixou um segundo volume, o livro conhecido como “Os Atos dos Apóstolos”. O início de Atos coincide com o final do Evangelho de Lucas. Atos também narra a ascensão de Jesus, mas fornece mais detalhes.

Atos 1: 3-11

De acordo com Atos, Jesus passou 40 dias com os discípulos antes de deixá-los para trás. Durante esses 40 dias, Jesus os prepara para sua partida. Na Bíblia, “40 dias” geralmente se refere a um período de instrução, preparação ou teste. Moisés passa 40 dias com Deus no Monte Sinai (Deuteronômio 9:9). Jesus é testado no deserto por 40 dias (Lucas 4:1-13).

Como professor, comparo esses períodos de preparação a “dias de revisão”. Nos dias de revisão, não olhamos para o material novo, mas nos certificamos de que o que estudamos ao longo do semestre se enraizou. Os dias de revisão oferecem oportunidades para os professores responderem a perguntas e corrigirem mal-entendidos. Os discípulos têm uma pergunta para Jesus: “Senhor, é este o tempo em que restaurarás o reino a Israel?” (Atos 1:6).

A resposta de Jesus é: “Não vos compete saber os tempos ou os períodos que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade. Mas você receberá poder quando o Espírito Santo descer sobre você; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (1:7-8). Em outras palavras, a linha do tempo é assunto de Deus. A tarefa dos discípulos é testemunhar.

O que acabou de acontecer aqui? Jesus desvia a conversa da pergunta “Quando você vai consertar as coisas?” para a designação “Preparem-se para serem minhas testemunhas”. Como Tom Wright diz em seu comentário Atos para todos, “Um dia esse reino virá, completa e finalmente. Enquanto isso, temos um trabalho a fazer.”

Os discípulos do primeiro século não são os únicos que recebem uma tarefa. Como Wright diz: “Temos um trabalho a fazer”. Junto com todos os santos que nos precederam, fomos incumbidos de “testemunhar”. O teólogo dos irmãos Dale W. Brown explica: “Os irmãos acreditavam que os dons e frutos do Espírito não eram apenas para a edificação da igreja, mas também para o bem do mundo” (Outra forma de acreditar, P. 92).

Dar testemunho significa testemunhar o que se viu ou ouviu. Podemos pensar no testemunho como “discurso”, mas o testemunho pode assumir diferentes formas. Mais do que apenas testemunho verbal, testemunhar o Senhor ressurreto é “outro modo de vida”. Dois problemas podem surgir.

Primeiro, podemos agir como se estivéssemos no comando, mas testemunhar não significa que temos a tarefa de corrigir o mundo. Como Brown observa, nós testemunhamos, mas o Espírito opera. Jesus, não a igreja, é o Senhor. Em segundo lugar, podemos tentar evitar os problemas do mundo fugindo para nossos próprios domínios religiosos privados, mas testemunhar é público e requer participação no mundo.

Por que você está olhando para cima?

Em Atos 1:11, dois homens perguntam: “Homens da Galiléia, por que estais olhando para o céu? Este Jesus, que dentre vós foi elevado ao céu, virá do mesmo modo como o vistes subir para o céu”.

A ilustração que acompanha este estudo bíblico é uma página de um manuscrito do século VI conhecido como Evangelhos Rabbula. A ilustração tem dois registros, relativos às duas dimensões da criação, céu e terra. No registro superior, a dimensão celestial, Jesus está dentro de um amêndoa, uma forma de amêndoa que os artistas usam para retratar a luz e expressar majestade. Os dois anjos que carregam coroas também expressam o entendimento de que Jesus agora governa tanto o céu quanto a terra.

Abaixo de Jesus está uma criatura híbrida, um tetramorfo, que tem suas origens na visão do profeta Ezequiel (Ezequiel 1). As quatro criaturas do tetramorfo mais tarde foram identificadas com os evangelistas do Novo Testamento: Homem (ou Anjo) (Mateus); Leão (Marca); Touro (Lucas); e Águia (João). Ao usar todos esses motivos, o artista comunica que Jesus entra em outra dimensão, o que chamamos de “céu”, e o que a Bíblia chama de estar localizado “em cima”. No registro inferior, Maria, a mãe de Jesus, está diretamente abaixo de seu filho. Com as mãos levantadas, palmas para cima, ela fica em uma postura de oração. Nem Lucas nem Atos mencionam a presença de Maria na ascensão, embora ela seja mencionada em Atos como parte do grupo que se reúne em Jerusalém logo após a ascensão (Atos 1:14). Nos Evangelhos Rabbula, ela provavelmente representa a igreja. Da mesma forma, Paulo está incluído entre os apóstolos, embora ele não tenha se tornado um seguidor de Jesus até depois da ascensão.

Ao colocar Maria e Paulo no grupo na planície terrena, o artista convida os espectadores a entrarem no quadro. Nós também somos discípulos de Jesus. Nós também somos chamados a testemunhar Aquele que reina. Por que ficamos olhando para os céus? Podemos ter sido deixados para trás, mas isso não é motivo para tristeza. É hora de começar a trabalhar. De forma pacífica, simples e alegremente.

Cristina Bucher é professor de religião no Elizabethtown (Pa.) College.